“Antes perder um minuto na vida do que a vida em um minuto”: diz minha mãe a respeito da pressa que quase sempre nos transforma em modelos automáticos de nós mesmos. Estamos sempre a correr contra o tempo e quase nunca andamos a favor dele. Acordamos e pulamos rápido da cama sem reservarmos o tempo justo para o processo que se dá entre acordar de um estado para o outro, de um mundo para o outro. Seguimos assim no preparo das refeições, com ligeireza para este ato criador que exige presença entre o elaborar, servir e partilhar com os nossos, que nos possibilita organizar corpo, mente e coração tal qual uma prateleira bem arrumada, pondo tudo em seu lugar e ainda nos possibilita olhar para um semblante preocupado de um, para uma roupa amassada de outro e se um dos nossos está sem apetite – quer seja por comida ou pela vida. É fato que às vezes, agir com pressa é tudo o que nos resta. Platão nos diz que o cuidado contínuo com a saúde é também uma doença da mesma forma que nos lembra que o esforço contínuo pela felicidade é uma infelicidade.
A verdade é que o tempo se tornou uma comoditie nos nossos dias e ainda que a Pandemia tenha trazido a inquietante certeza de que as rotas universais foram alteradas, a vigilância para ampliar o olhar para o que realmente importa, fazer novas escolhas e evitar a cadência frenética e robotizada de quase sempre seguem juntos com os nossos passos. Somos imersos em padrões, ainda que queiramos fugir deles: um dia continua tendo vinte e quatro horas, uma hora ainda possui sessenta minutos e o ano permanece com doze meses. E se por outro lado, imaginar que todos nós temos o mesmo tempo nos traz uma sensação de diferença na igualdade, não mexer nas poucas certezas que nós temos nos coloca em um lugar confortante, conserva em nós uma leve sensação de não termos sido tão enganados com as histórias que nos contaram.
Em tempos de corrida contra o tempo e de tantos contratempos, é valoroso crer que a receita para os nossos dias é o respeito ao nosso tempo, a natureza de cada coisa e a nossa capacidade de fazer perguntas. Como quase sempre é com os nossos ancestrais. Tudo no modo de saber e fazer dos nossos pais e pais dos nossos pais tem o seu lugar. Cada folha, cada grão, cada receita e erva de infusão. Tudo tem ordem e tem combinação, pois assim como as pessoas, nem todos os elementos da natureza vão bem se juntos. Cada um com sua personalidade, sendo colocados no lugar e na hora certa, reinam e deixam o outro reinar. Se não respeitarmos esta ordem, oxidam, queimam, inutilizam os seus sabores e suas propriedades e até intoxicam ao invés de alimentar.
Tudo isso me remeteu ao meu interior, quando queriam denominar uma pessoa de estúpida diziam que tinha cabeça de galinha. O que eu não sabia naquela época é que este animal consegue reconhecer quase uma centena de outros de seus pares e identificar também escalas de hierarquia, sinais de perigo iminente diferenciando se são aéreos ou terrestres e ainda, demonstram reações a estímulos do sistema nervoso e de estados emocionais. Isso sem falar nos galos que cantam com o romper da aurora para comunicar aos outros que ainda está vivo e no comando – dando origem a expressão popular que diz “não venha aqui, cantar de galo”. Com tudo isso, trago um sopro, o problema está no galo ou nas histórias que nos contam sobre ele? E o que é verdadeiramente bom, benéfico e saudável senão aquilo que fazemos com a escolha e o tempo que temos? Ainda sobre a medida das coisas e o tempo, faço memória ao poeta Robert Walser que dizia “se fossemos mais tranquilos, mais lentos, nossas questões se resolveriam melhor e mais rápido”. Com isso, volto aos conselhos daquela sábia mulher que me lembra que “perder” minutos na vida pode ser uma receita-minuto de não perder a própria vida!